João é um dos professores mais respeitados em nosso local de pesquisa, isso deve particularmente ao fato de que ele cresceu e ainda vive na pequena cidade onde agora trabalha. Ele conhece os desafios encarados pelos locais para se adaptarem a empregos formais e se posiciona contra pessoas que vêm fora e são abastadas caso reclamem que os trabalhadores são preguiçosos e desonestos. Entretanto, João tem suas próprias opiniões negativas quando se trata da forma como as pessoas de baixa renda respondem a novas tecnologias.
João acredita que a pobreza,
aliada a uma educação precária, faz com que Lina não compreenda as vantagens de
ter uma casa melhor para sua famÃlia. Como outros nessa faixa mais próxima da
classe média, João insiste que as pessoas pobres deveriam priorizar 'necessidades'
e não 'luxos'. Como professor, ele favorece a educação como uma necessidade,
enquanto TV a cabo ou um smartphone caro são coisas que ele enxerga como luxos.
João
reconhece que a filha de Lina espera que ter um bom telefone a fará ter
destaque entre seus colegas. Não se trata de vaidade, mas de uma forma de
evitar ser excluÃda porque não tem acesso ao WhatsApp ou Facebook de maneira
portátil. Ele sente, entretanto, que embora isso possa melhorar sua posição
entre seus colegas, não fará nada para ajudá-la a lidar com questões mais
graves da pobreza que famÃlias como a dela encaram.
Em 2014, João, junto com
o diretor da escola pública onde trabalha, se reuniu com Lina, a mãe solteira
de um aluno de 17 anos de idade. Como muitas famÃlias locais pobres, suas
quatro crianças têm pais diferentes e ela as cria sozinha. Sua casa não tem um
banheiro interno ou portas apropriadas. João ficou chocado quando descobriu
que, embora Lina seja analfabeta e esteja dentre os mais pobres da cidade, ela
acabara de gastar todo o dinheiro que ganhou por ser demitida de seu emprego
como faxineira em um hotel (quase US$ 1.000,00) para comprar um smartphone caro
para sua filha.